Porciúncula / RJ

Cólica no lactente

"Doutor, meu bebê está com cólicas...”.

Geralmente podemos observar que, na primeira consulta de puericultura, especialmente quando se trata do primeiro filho, os pais têm muitas dúvidas acerca dos cuidados com seus bebês. Uma dúvida frequente refere-se a um evento muito angustiante e comum neste período que são as cólicas infantis. Por esta razão não poderíamos deixar de abordar este assunto. Quase sempre, erroneamente orientados, os pais informam que estão administrando determinados medicamentos que, ou são desprovidos de eficácia ou, em alguns casos, trazem riscos de sérios efeitos colaterais ao bebê.

Conhecendo melhor a cólica infantil.

Vamos esclarecer primeiramente o conceito de cólica infantil, pois frequentemente os pais a confundem com outros eventos, acompanhados ou não de choro. Então devemos lembrar que a cólica infantil é um evento específico. Os lactentes começam a apresentá-la por volta da segunda semana de vida e com ela permanecem até o terceiro nos bebês nascidos a termo. Em lactentes nascidos prematuramente, tanto o início quanto o término são um pouco mais tardios. Podemos descrevê-la como um quadro de choro inconsolável, acompanhado de contrações dos braços e pernas, ocorrendo todos os dias geralmente no início da noite, com duração de alguns minutos até mais de uma hora, não acompanhada de vômitos, diarreia ou distensão abdominal. Embora possa sofrer influência de fatores externos, como alimentação e estado emocional da mãe, não deixa de ocorrer na ausência destes. A imaturidade intrínseca dos lactentes, associada a outros fatores ainda desconhecidos, parece ser a peça mais importante.

Sobre o uso de medicamentos.

Em poucas palavras poderíamos dizer que a ciência ainda não descobriu um medicamento satisfatório. Como dissemos a cólica infantil não tem uma causa específica, ou seja, tem uma origem multifatorial. Além disso, a imaturidade intestinal dos lactentes assume grande importância na sua causalidade. Portanto, um medicamento para ser considerado satisfatório deveria, no mínimo:

* Apresentar a capacidade de corrigir os fatores responsáveis pela cólica infantil;

* Apresentar mínimos efeitos adversos (Obs.: não existem medicamentos isentos destes efeitos).

Vamos explicar melhor a razão pela qual se considera contraindicado o uso de Lisador® e dos "antiflatulentos" (Luftal®/Flagass®/Mylicon®), pois estes medicamentos são frequentemente prescritos para cólica infantil:

Lisador®

Na bula deste medicamento encontra-se a seguinte informação:

ADVERTÊNCIAS:

“(...) NÃO SE RECOMENDA O USO DO MEDICAMENTO EM CRIANÇAS ABAIXO DE 2 ANOS DE IDADE DEVIDO AO POTENCIAL EFEITO DEPRESSOR RESPIRATÓRIO (grifo nosso) DO CLORIDRATO DE PROMETAZINA".

Como a cólica infantil ocorre especificamente os lactentes até os três meses, podemos facilmente compreender sua contraindicação para esta finalidade. Além deste medicamento, Lisador® ainda contém Dipirona e Adifenina.

Para os colegas que ainda prescrevem estes medicamentos para os recém-natos, fica o alerta...

Luftal®/Flagass®/Mylicon®®, etc (Dimeticona/Simeticona).

Conforme descrito na bula do produto, este medicamento "atua no estômago e no intestino, diminuindo a tensão superficial dos líquidos digestivos, rompendo as bolhas que retêm os gases (...)". Vamos lembrar aqui que a cólica infantil é multifatorial, ou seja, os gases podem ter participação, mas não são a causa. Assim, embora a dimeticona apresente um efeito sobre os gases, não traz benefícios aos lactentes.

A dimeticona e os gases nos lactentes.

Nos lactentes ocorre uma contínua formação de inúmeras e indolores pequeninas bolhas de gás, provenientes das várias "refeições". Lentamente elas vão se unificando para formar bolhas maiores. Estas serão assim eliminadas sem desconforto. Com a ação da dimeticona no estômago e intestino delgado, o processo de unificação das pequenas bolhas tem início nas primeiras porções do intestino. Assim, grandes bolhas deverão percorrer todo o intestino até que possam ser eliminadas, causando mais desconforto.

A alimentação da mãe na cólica do lactente?

Com muita frequência se questiona o papel da alimentação da mãe sobre os eventos de cólica dos bebês. Geralmente são informações repassadas de maneira imprópria para as mães pelas pessoas leigas e até por profissionais de saúde. Embora não possa ser descartada uma possível participação negativa de determinados alimentos nos episódios de cólica, não seria correto afirmar que este ou aquele alimento causará cólica. Afinal, nem todo bebê vai apresentar a mesma reação diante de um mesmo estímulo. Portanto, não devemos excluir um determinado alimento da dieta materna apenas porque alguém disse que tal alimento fez mal para outro bebê. Costumo sugerir às mães que observem sempre a relação da sua dieta com os eventos de cólica. Se a mãe não tem o costume de consumir um determinado alimento e, no dia em que o consome, percebe que o bebê apresentou uma cólica diferente daquela usual, seja pela maior duração ou pela maior intensidade, ela deve afastar temporariamente este alimento e observar. Após um período, consuma-o novamente e verifique se ocorreu novamente uma piora da cólica. Caso se estabeleça esta relação, este alimento deverá ser afastado da dieta materna enquanto a mãe estiver amamentando.

Nossas orientações.

Não daremos aqui uma fórmula mágica, pois ela infelizmente não existe. Nossa proposta é mais realista. As orientações abaixo contribuem para amenizar os episódios de cólica, mas não impedem sua ocorrência. Seguindo-as, seu bebê terá mais condições de conviver com as cólicas, superando melhor este período.

Contribuindo para amenizar os episódios.

Um estudo científico, comparando mães em aleitamento natural, demonstrou que o esvaziamento total da mama pode contribuir para reduzir a frequência e a intensidade das crises de cólica. Neste estudo, um grupo de lactentes recebeu apenas o leite inicial e outro grupo recebeu leite inicial + leite final. Observou-se que os bebês que receberam apenas o leite inicial apresentaram cólicas com maior duração e intensidade que aqueles do outro grupo (leite inicial + leite final). Foi possível observar também menos episódios de dor nas mamas e de mastite entre as mães deste segundo grupo. Desta maneira foi possível observar que uma amamentação com a técnica correta pode contribuir profilaticamente para amenizar as cólicas, bem como evitar os problemas comuns às mães neste período inicial.

Quando a cólica começar...

Como dissemos, seguindo a técnica correta da amamentação natural será possível apenas amenizar os episódios de cólica. Portanto, os passos abaixo devem ser seguidos durante os episódios de cólica:

1º - Manter a calma:

Sabemos que este passo é o mais difícil e o mais importante. Lembre-se que o seu bebê percebe suas emoções. Portanto, é necessário transmitir-lhe calma e segurança neste momento;

2º - Redirecione sua atenção:

Passear, amamentar, colocar uma música suave. Enfim, existem muitas maneiras de se mudar o foco perceptivo do bebê para algo que lhe seja prazeroso. Quando oferecemos ao bebê algo que lhe interessa, ele "esquece" a cólica. Este é um recurso não medicamentoso com ótima eficácia.

3º - Massagens:

As massagens e o aquecimento da barriguinha do bebê atravessaram as gerações e têm espaço garantido em nossas orientações. Afinal, carinho é a percepção tátil daquilo que chamamos de amor!